domingo, 9 de julho de 2023

Ficassem em casa!

Photo by Ivan Shimko on Unsplash

 

Se há coisa que nos distingue de outros povos é a capacidade para improvisar. É meu costume dizer que os portugueses têm sempre um plano A e um plano B. O plano A é improvisar. Quando, devido à impreparação que caracteriza o improviso, as coisas não correm como esperado, passa-se ao plano B: desenrascar. Não vou, neste artigo, elaborar sobre o que se faz quando também o plano B falha, até porque qualquer português de gema o sabe: por as culpas para os outros. Enfim, adiante!

 

Porque somos péssimos na preparação e planificação das coisas, não admira que em mais de 50 anos não tenhamos resolvido o já épico e famoso problema da localização do novo aeroporto de Lisboa. Por um lado, uma decisão dessas exige uma análise clara e objetiva de potenciais soluções, ou seja, uma análise não ditada pelo improviso nem pelo desenrascanço, nem, muito menos, pelo sentimento. Por outro lado, a verdade é que, mal ou bem, os já referidos improviso e desenrascanço têm prolongado a vida do atual aeroporto, com a enorme vantagem de que a atual localização é extremamente vantajosa e cómoda, com os aviões quase à porta de casa. É uma maravilha!

 

Há, é certo, alguns ‘pequenos’ problemas, sabiamente evitados em qualquer grande cidade do mundo dito civilizado que, a todo o custo, relegam para várias dezenas de quilómetros os respetivos aeroportos, mas o que é, afinal, o risco de destruição de partes importantes e insubstituíveis da cidade devido a um acidente? Não há-de acontecer nada! E o que é o ruído constante, a poluição acrescida, face à já referida comodidade de ter o aeroporto a dois passos de casa? Assim, enquanto durar, é mantê-lo onde está, que está muito bem. Mais, mesmo que venha a construir-se outro, é manter este em funcionamento pois sempre se evita a muita gente a maçada de ir para longe.

 

Continuemos, pois, a desenrascar, para não termos que tomar uma decisão. Afinal, o excesso de passageiros só tem vantagens. Pagam-se preços exorbitantes por uma simples garrafa de água, por um pastel de nata, por uma fatia de pizza, o que é excelente para a economia. Ninguém usa os bancos para dormir, porque os que há não chegam para todos. Quem circula nas zonas de espera ou de partida é atropelado pelos milhares de passageiros que chegam constantemente e que são obrigados a passar pelas mesmas zonas de quem parte, aumentando o congestionamento, mas assim todos têm mais cuidado por onde andam. Afinal, um aeroporto assim é muito mais animado, há sempre coisas para ver, e nunca ninguém se aborrece. E, claro, aos que respondem que gostam de paz e sossego e que detestam ser explorados a resposta só pode ser uma: ficassem em casa! 

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Chicos espertos

Photo by Mufid Majnun on Unsplash

 

Uma das muitas coisas que nos distingue de povos nórdicos, como os finlandeses, noruegueses ou suecos, é a nossa atitude perante os impostos. Para um nórdico, seria impensável fugir aos impostos. De facto, são os cidadãos os primeiros a querer pagar impostos, pois para eles está claro que estão a contribuir para o funcionamento e progresso do seu país, para serviços de saúde, educação e segurança que beneficiam todos. É certo que os nórdicos ganham, em média, muito mais do que nós, mas a fatia dos seus rendimentos que vai para os impostos é muito maior, para além do custo de vida ser muito mais caro.

 

Já nós, portugueses, só pagamos se formos mesmo obrigados. Para nós, o Estado rouba-nos, mexe nos nossos bolsos, persegue-nos e, por isso, há que fugir por todos os meios. Queremos – e estamos sempre a exigir – melhores serviços do Estado, mas que sejam os outros a pagar, porque nós já pagamos demasiado.

 

É claro que isto decorre muito da cultura na qual nos inserimos, que anda à volta do individualismo, do egoísmo, da falta de respeito pelo próximo e pela sociedade, da culpa que nunca é nossa e sempre dos outros, da exceção que nos exclui do cumprimento da lei, do desenrascanço, e do “chico-espertismo” que nos permite ultrapassar o parceiro, pensar primeiro em nós e não contribuir para o bem comum.

 

Devo confessar, no entanto, que, apesar do muito orgulho e prazer que tenho em ser português, a minha atitude perante os impostos e a sociedade pende muito mais para os nórdicos do que para os meus concidadãos. Gosto de contribuir para a construção de um país como Portugal, esperando que o país defenda, respeite e apoie todos os que dele fazem a sua pátria. Saúde, educação, segurança e demais serviços são essenciais numa sociedade justa e moderna. Por isso não preciso que me expliquem a importância de contribuir com o meu dinheiro para o bem comum.

 

Infelizmente, as minhas convicções são fortemente abaladas quando vejo, com espanto, que dinheiro dos contribuintes é utilizado para contratações polémicas, para as quais a única justificação perante a opinião pública é a de que a pessoa tem o “perfil adequado”. Porque é insólito que um recém-licenciado, de 21 anos, com uma experiência que, forçosamente, é limitada, tenha um perfil útil para adjunto da Srª Ministra da Presidência, seria muito importante que o tal “perfil adequado” fosse cuidadosamente explicado a todos nós, para afastar quaisquer dúvidas. 

 

É claro que a Srª Ministra da Presidência pode sempre dizer que nada tem que explicar à opinião pública, que foi cumprida a lei e já está. Contrata-se porque se pode! Paga-se um vencimento que é praticamente o triplo do salário médio nacional porque sim. Não há nada de ilegal nisso. Mas com tudo isto, quem acredita, como eu, no ideal de contribuir para um País que aplica bem e criteriosamente os fundos públicos fica profundamente desiludido, e ganham força os individualistas, os egoístas, os oportunistas e os “chicos espertos”. 

 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

A vaca expiatória


Todos estamos preocupados com o ambiente, com as chamadas alterações climáticas, com o nosso planeta. É uma preocupação plenamente justificada, que resulta de uma muito maior consciencialização do impacto que a atividade humana tem no ambiente. De repente – há muito pouco tempo, diga-se – demo-nos conta de que tudo o que fazemos a outras espécies ou aos mais variados habitats naturais tem impacto direto na sustentabilidade da Humanidade, pelo simples facto de que todos temos a mesma casa e todos temos o mesmo destino. A vida na Terra não é viável sem um ambiente limpo.

Neste cenário, e no que toca emissões atmosféricas, os gases de efeito de estufa, como o dióxido de carbono ou o metano, são reconhecidos como ‘inimigos’, pois contribuem para o aquecimento do planeta. E vai daí que, estudo para cá e estudo para lá, alguém se lembrou da produção de carne de vaca. É certo que é uma atividade que implica a emissão de gases de efeito de estufa, mas porquê apontar o dedo a uma atividade específica no meio de tantas outras (por exemplo, a produção de arroz também gera emissões substanciais de gás metano)?

Na verdade, há muito com o que nos preocuparmos, pois praticamente tudo o que sustenta a nossa Civilização foi ou é conseguido à custa de danos ao ambiente. Já pensou nas quantidades gigantescas de energia necessárias para manter a Internet, os centros de dados e as redes de telecomunicações a funcionar? Já pensou nos danos ambientais gerados pela produção e eliminação de quantidades incomensuráveis de equipamentos eletrónicos, entre os quais os telemóveis que muitos gostam de trocar por uma mera questão de moda ou vaidade? Já pensou que quando consome frutas ou legumes fora de época, importados desde o outro lado do mundo, está a fomentar a emissão de gases de efeito de estufa causados pelos transportes? E o mesmo se passa com as roupas e todo o tipo de bens. Já pensou que, em Portugal, cerca de 85% das deslocações são realizadas em viatura própria. 

É claro que muito do que fazemos não é sustentável, mas não nos limitemos ao consumo de carne de vaca, sob pena de falharmos o essencial e cairmos no ridículo. O que é importante é trabalhar no sentido de tornarmos todas as atividades mais sustentáveis, ambientalmente menos agressivas ou mesmo inócuas. Para isso existem já algumas soluções e muitas mais serão estudadas e aparecerão no curto ou médio prazo. Naturalmente, uma delas é a redução do consumo de recursos, alimentares ou não, pois desperdiça-se muito.

Todos queremos e devemos contribuir para um melhor planeta. Talvez apontar o dedo a um problema específico, fazendo dele ‘o Problema’, faça muitos sentirem-se bem, o que lhes permitirá terem uma consciência menos pesada quando continuarem a contribuir com tudo o resto para um mundo pior, mas não me parece que fazer das vacas um ‘bode expiatório’ seja a solução.

domingo, 18 de dezembro de 2016

A melhor escola



Nunca entendi essa espécie de histeria coletiva – quer dos media, quer do público quer, também, de muitos agentes do Ensino – que surge quando se publicam os “rankings das escolas”.  De facto, talvez o mais correto seja começar pelo princípio e dizer que o que eu não entendo, verdadeiramente, é que se façam rankings de escolas de uma forma tão leviana como se faz em Portugal, pois tal me parece um desrespeito pelo trabalho de milhares de professores e alunos.

Dizer que uma escola é melhor ou pior porque os seus alunos têm melhores ou piores notas em exames finais é, no mínimo, de um simplismo confrangedor e dá uma ideia completamente errada do que deve ser o sistema de ensino. Não quero entrar no tema da inflação artificial de notas – que existe – nem de vários outros ‘truques’ para subir a qualquer preço no ditoso ranking, que são efeitos colaterais de um sistema de valorização centrado num único parâmetro, pois creio que é mais importante tentar perceber a irracionalidade de classificar e ordenar escolas desta forma.

Um ranking faria algum sentido se as escolas competissem umas com as outras, se pudessem escolher os seus docentes e os seus alunos, se uma décima a mais ou a menos na classificação final de um aluno fizesse a diferença entre estar melhor ou pior preparado para a vida, se todos os alunos fossem unidades iguais e não seres humanos com as suas diferenças e a sua variedade e, sobretudo, se a qualidade global do ensino se medisse meramente pelas classificações finais obtidas pelos alunos.

É claro que há uma minoria de escolas que competem com outras. São, em geral, escolas privadas, e fazem-no primeiramente por questões de mercado, já que quanto “melhores” forem os resultados dos seus alunos mais seletivas podem ser e mais podem cobrar. É a velha lei da oferta e da procura. Mas se é certo que isso funciona para uma franja muito reduzida da população, não me parece que deva ser esse o objetivo de um sistema de ensino que pretende servir o país.

Quanto às outras escolas – das quais as públicas são a esmagadora maioria – não escolhem os seus professores nem os seus alunos, limitando-se a trabalhar com o que os concursos nacionais de docentes e a área de residência dos alunos ditam. Portanto, que tipo de competição pode haver? Está uma escola de Bragança a competir com uma de Évora? Para quê? A que título?

E depois há a questão da nota de exame! Sempre tivemos um certo fascínio por reduzir as coisas a números, a estatísticas, a reduzir a realidade a um indicador que tudo encerra e tudo significa. Para isto em muito contribui aquela miragem da nota de entrada (no ensino superior, naturalmente), como se o importante e mais difícil fosse entrar num curso quando, de facto, o mais difícil é sair dele.

E com tudo isto esquecemo-nos que uma escola que consegue que alunos que noutras escolas estariam condenados ao fracasso sejam bem sucedidos, ainda que com classificações modestas, que desperta nos alunos o interesse por aprender, resolver problemas e adaptar-se a novas situações, que os torna socialmente ativos e úteis, que lhes incute uma atitude positiva perante a vida, é, provavelmente, a melhor escola.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Transparência total


Num país onde a cultura do pedido e do favor está fortemente implantada, no qual é quase ofensivo recusar uma oferta, é difícil fazer valer o conceito de conflito de interesses. Antigamente era o cabaz de Natal ou de Páscoa que se levava ao professor primário, ao chefe de repartição, ao Senhor Doutor ou a todo aquele que pudesse decidir em qualquer processo de avaliação ou seleção. Era (é?) também a contratação dos mais variados familiares, em todos os graus, ultrapassando em muito o conceito novelesco de família. São costumes nos quais assentou – e, pelos vistos, ainda assenta – uma série de interações sociais que, na verdade, vão muito para além do aceitável, pelo menos nos dias que correm.

A coisa é tão enraizada que mesmo os governantes – para os quais o conflito de interesses devia ser uma das primeiras preocupações – alegam o caracter socialmente aceitável, e eminentes juristas se põem a discutir a legalidade ou não de aceitar uma oferta desta ou daquela empresa mesmo quanto quem recebe faz parte de uma equipa cujas decisões em muito podem favorecer ou desfavorecer quem oferece. Pode até ser que no confuso panorama jurídico nacional – que para o comum dos mortais é tão indecifrável como as leis da Idade Média – a questão não esteja clara, mas alguém ainda tem dúvida de que é eticamente inaceitável?

O que é pena é que tenham que ser entidades externas a chamar a atenção para os conflitos de interesses que por cá grassam. Foi esse o triste caso da proposta de dezanove administradores da Caixa Geral de Depósitos feita pelo Governo de Portugal. Para oito deles, o Banco Central Europeu viu-se na contingência de alertar para os conflitos de interesses e recusá-los. Os conflitos existiam claramente mas, pelo vistos, a coisa parece ser tão comum em Portugal que já ninguém se apercebe de que eles existem e chega-se ao ponto de avançar a nível Europeu com propostas destas, de boa fé, com a melhor das intenções.


E logo, de fora,  surge o problema, o vexame, o puxão de orelhas. É claro que a solução é muito simples: o conflito de interesses só existe porque a lei está errada. Portanto, mude-se a lei, faça-se uma à medida, para que o conflito deixe de existir e tudo volte a estar no lugar. Nada de conflitos de interesses. Transparência total!

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Usados por uns e esquecidos por muitos

Já várias vezes expressei a minha opinião – aqui e noutros fora – acerca do papel que um Estado deve ter em determinadas áreas, sejam elas lucrativas ou não. Em meu entender, a atuação de um Estado deve reger-se sempre e só pelo interesse público, pois é para isso que os estados existem: salvaguardar o interesse geral, em detrimento, sempre que seja necessário optar, de eventuais interesses particulares. 

É por isso que, por exemplo, nunca entendi as políticas que estabelecem que tudo o que dá lucro tem que ser privatizado, deixando ao Estado o que dá prejuízo, para, logo a seguir, se apontar o Estado como um péssimo exemplo pois tudo o que assegura é deficitário e só sobrecarrega os cidadãos. Além disso, muitas privatizações não passam de vendas de capital a empresas total ou parcialmente detidas por outros Estados, o que parece querer dizer que o Estado Português é que é o problema. Por fim, e para cúmulo, as “novas” empresas privadas continuam a explorar e utilizar muitos recursos do País, que deveriam ser de todos nós, como terrenos, propriedades e espaços públicos e privados, água e cursos de água, sol, vento, etc.

Não vou falar, desta vez, no caso dos bancos, que só são privados quando a coisa corre bem mas que, quando corre mal, têm que ser salvos por recursos públicos que agravam o défice e são pagos pelos impostos de todos nós. Afinal, o Estado é bom ou mau? Venha o Diabo e diga de sua justiça.

Mas se é certo que nem tudo o que o Estado faz é mau, também é certo que nem tudo o que os privados fazem o é. Digo isto a propósito da última moda política, que é a de que há que defender a Escola Pública, e tudo o resto é um bando de “chupistas”. Vi ânimos muito exaltados a favor e contra, posições extremadas em políticos que julgava mais inteligentes, artigos escritos em tom triunfal reclamando a descoberta da verdade absoluta, insultos em redes sociais.

É curioso o que certos temas podem suscitar. Fala-se em cortar gorduras do Estado, em poupar dinheiro, e eis que tudo fica em alvoroço, apesar de os valores em causa quase serem “trocos” quando comparados com outras áreas privatizadas. Mais ainda, será difícil contabilizar o que se ganha e o que se perde com mudanças do ensino público para o privado e vice-versa. Havendo mais alunos no setor público, haverá que contratar mais professores. Os que forem despedidos do ensino privado e não tiverem lugar no ensino público irão para o desemprego e terão que ser pagos durante o período de duração do respetivo subsídio. De facto, estas mudanças, sejam num sentido ou noutro, têm sempre custos, pelo que o melhor seria fazê-las gradualmente, minimizando perturbações. Uma coisa é certa e parece não ter sido entendida nem por políticos nem pelo público em geral: os custos são ditados pelo número de alunos e esse número de alunos permanece igual, pois todos eles têm direito à educação.


Bom, não se entenda disto que apenas olho para esta questão como uma questão de dinheiro, ou que sou a favor ou contra o ensino público ou o ensino privado. Toda a minha vida frequentei escolas públicas. As minhas filhas tanto andaram no ensino privado como no público, e a minha mulher tanto lecionou num como noutro. Creio, no fundo, que o que importa verdadeiramente são os alunos e esses, no fragor da luta política, são usados por uns e esquecidos por muitos.